Alexandre Dacosta
memória do vidro
junho de 2016
memória do vidro
junho de 2016
A Pulsação do Cristal
O universo poético de Alexandre Dacosta oferece uma profusão de elementos: letra-forma, palavra, texto... ruído, som, música... símbolo, signo,visual, sensorial...matérias densa e diáfana... volume físico, frequência sonora, campo vibratório... E tudo se articula em composições transversais, unindo linguagens de forma exclusiva - alexandrina!
Diante desta fortuna poética, busco palavras e formas que encontrem algum sentido parental com sua obra, que transitem soltas, alegres, por entre seus signos, perseguindo instantes de iluminação, eventos aleatórios, no afã de traduzir mais uma vez as múltiplas traduções e transições que o artista realiza com desenvoltura.
No projeto para a Vitrine Efêmera, que consta da instalação e um livreto – pesquisa sobre a memória do vidro– encontro afinidade poética entre o fragmento, a transparência e uma galáxia de corpos e sentidos em suspensão.
Alexandre usa o vidro da vitrine como plano pictórico, mais exatamente, como plano gráfico sobre o qual são pontuadas intervenções plástico-poéticas por meio de ventosas de diversos tipos, coladas ao vidro e nas quais anexam e/ou pendem objetos, linhas, fios, palavras, signos...tecendo uma rede de conexões. Campo visual construído num processo delicado de reunião de fragmentos textuais e objetuais, em que o meio = ventosa = chapada no vidro, no interior da vitrine, é significante.
Ventosa, de vento, de pressão conseguida como AR = elemento químico incolor, inodoro, impalpável, envolvente e vital... N2 + O2 + CO2 + H2O + O3 + outros gases aleatórios:AR: elemento dominante no espaço do planeta, dominante também no espaço criado no interior-exterior da vitrine, site-specific dadá surreal de amálgama de significados.
Nessa ação instalativa vislumbra-se conceito: decisão de eliminar, a partir da transparência do vidro, fronteiras entre dentro e fora, superfície e fundo, frente e verso... E por falar em verso, somos surpreendidos por signos-versos pós-neo-concretos, que se referem à situação vidro à plano à transparência, à abstração do espaço cúbico e sua transformação em espaço imaginário onde reina inconsciente livre associação...Ocupação humana, esquemática e vibrante, pulsante como um núcleo vivo, ou um coração!
A pulsação da incidência da luz no cristal, a cegueira momentânea provocada pelo raio reflexivo que traz nele todas as cores do espectro e o som do cristal agulha fina que penetra o tímpano.
Ao eliminar a ideia de vitrine ou de cubo branco, ao tratar o vidro como plano – a tela do pintor – o artista produz uma inversão. O vidro não é mais anteparo transparente que dá a ver um interior, ele é superfície pictórica e de inscrição/escritura!. Ao fixar nele objetos, fragmentos, interrupções - sem começo nem fim teleológico, interferências de narrativa não-linear - instaura uma “ironia da passagem”, subversiva da função de atravessamento, e há uma quebra da transparência... O vidro passa a ser espelho do que está fora, frontalmente – o espectador.
Assim como o AR inalado, percebido com todos os sentidos no espaço da vitrine-rua, a imagem do observador, do entorno e da rua é devolvida pelo espelho-plano = tela que dissolve fronteiras materiais. O tempo, a memória a(s)história(s) estão presentes neste agora recipiente de mensagens fragmentadas. Não é preciso falar das lendas e mitologias do espelho...
Alexandre Dacosta comparou a interferência–situação na Vitrine Efêmera a um “muro das lamentações” – mas não o histórico, localizável geopoliticamente. Associando as linguagens gráfica e plástica – em que usa objetos materiais de presença ambígua – o artista cria um sistema de identificação, confissões íntimas e descobertas! A sua, a minha, imagem / memória / história, de todos, em algum dos cantos espaços da Vitrine, há de se encontrar...
Fabiana Éboli Santos
Rio de Janeiro, maio de 2016.