Eliane Prolik
escalante
dezembro de 2017
escalante
dezembro de 2017
DEGRAUS PARA ESCALANTE
Adolfo Montejo Navas
Qualquer escada serve para mudar de plano no espaço, alterar nossa perspectiva e visão, mas aqui nesta instalação - peça de peças -, os degraus também se constroem como a possibilidade de outro alfabeto tridimensional. Longe da mera função ou costume que também atraiu Julio Cortázar em suas heterodoxas instruções para subir e descer escadas, em Escalante, as próprias escalas são ativadas de outra forma, num movimento sinuoso de implosão visual, apresentando uma escultura que é uma peça-situação, por si só modulável, e que abriga, portanto, uma flexível ironia formal, articulável. Ou que, então, apresenta um paradoxo espacial, de uma ótica “cronopiana” - aquela tipologia mirabolante e amiga do acaso do escritor argentino - para as coordenadas sempre estritas da Vitrine Efêmera, em que uma serpente metálica engole o próprio espaço interior (de dentro da vitrine) e se metamorfoseia no reflexo da rua (de fora da vitrine). De fato, nessa porosa ação escultórica, na qual vemos 42 degraus de escadas de alumínio alteradas e remontadas parecendo não ter fim, está incluído esse corpo passante que a vitrine anuncia, enuncia e reflete como entorno da rua/cidade/pessoas.
Contudo, a escultura-instalação de médio formato que se apresenta – quase-maquete que engana os olhos ou projeto de um simulacro transparente -, curiosamente, não tem eixo central, regedor, e, sim, dobras diversas nas quais o reto pode se curvar, em que a construção se pauta pela referência de seu habitat. A criação de um locus próprio, como se fosse possível andar para dentro em várias direções. Veja-se a entropia andante estabelecida como metáfora artística, moral, diga-se de passagem, para os tempos perversos de Pindorama (onde o carrerismo ultrapassa o reino das escadarias). “Se como objeto ela normalmente é associada à ascensão, aqui, mais com sentido de mutação, a escada toma outro caminho, como ultrapassagem em diversas direções e ziguezague contínuo, indicando o espaço para fora da vitrine”, aponta a artista.
Escalante é uma instalação-intervenção tão aberta como fechada para si e para além dela, já uma característica norteadora da poética de Eliane Prolik, sobretudo nos últimos tempos, com obras que magnetizam os espaços públicos, os convocam, os incluem. Cuja estirpe e ligação modernas se veem revolucionadas, superampliadas em objetivos, horizonte, porosidade - vejam as ressonâncias longínquas com os bichos de Lygia Clark, por exemplo, sendo já bichos penetráveis. Tudo gerado por uma reflexividade que não é só ocular, é mais especular, reflexiva (em ambos sentidos da palavra, de indagação e da refração), pois não cabe dúvida que os artefatos de Eliane Prolik possuem outra dinâmica mundana, e em seu rigor construtivo também sabem ser humoristicamente antiformais, registrar-se como objetos do mundo dessacralizado (tão cotidiano quanto comercial em sua comum e singela procedência). Assim, o movimento contínuo de Escalante está em gerúndio e nas trabalhadas articulações de seu ser medusa é corpo e espaço, ao mesmo tempo (quem sabe até respirar aquela organicidade pungente conjurada por Maria Martins). E o convite para enxergar outros planos multifacetados - e chame-se a atenção para as duas escadas vindo do teto, assim como para o grande número de furos das escadas - revela que se está lidando com uma aura contemporânea, tão desconstruída quanto reconstruída, e vice-versa.
[novembro, 2017]
Adolfo Montejo Navas
Qualquer escada serve para mudar de plano no espaço, alterar nossa perspectiva e visão, mas aqui nesta instalação - peça de peças -, os degraus também se constroem como a possibilidade de outro alfabeto tridimensional. Longe da mera função ou costume que também atraiu Julio Cortázar em suas heterodoxas instruções para subir e descer escadas, em Escalante, as próprias escalas são ativadas de outra forma, num movimento sinuoso de implosão visual, apresentando uma escultura que é uma peça-situação, por si só modulável, e que abriga, portanto, uma flexível ironia formal, articulável. Ou que, então, apresenta um paradoxo espacial, de uma ótica “cronopiana” - aquela tipologia mirabolante e amiga do acaso do escritor argentino - para as coordenadas sempre estritas da Vitrine Efêmera, em que uma serpente metálica engole o próprio espaço interior (de dentro da vitrine) e se metamorfoseia no reflexo da rua (de fora da vitrine). De fato, nessa porosa ação escultórica, na qual vemos 42 degraus de escadas de alumínio alteradas e remontadas parecendo não ter fim, está incluído esse corpo passante que a vitrine anuncia, enuncia e reflete como entorno da rua/cidade/pessoas.
Contudo, a escultura-instalação de médio formato que se apresenta – quase-maquete que engana os olhos ou projeto de um simulacro transparente -, curiosamente, não tem eixo central, regedor, e, sim, dobras diversas nas quais o reto pode se curvar, em que a construção se pauta pela referência de seu habitat. A criação de um locus próprio, como se fosse possível andar para dentro em várias direções. Veja-se a entropia andante estabelecida como metáfora artística, moral, diga-se de passagem, para os tempos perversos de Pindorama (onde o carrerismo ultrapassa o reino das escadarias). “Se como objeto ela normalmente é associada à ascensão, aqui, mais com sentido de mutação, a escada toma outro caminho, como ultrapassagem em diversas direções e ziguezague contínuo, indicando o espaço para fora da vitrine”, aponta a artista.
Escalante é uma instalação-intervenção tão aberta como fechada para si e para além dela, já uma característica norteadora da poética de Eliane Prolik, sobretudo nos últimos tempos, com obras que magnetizam os espaços públicos, os convocam, os incluem. Cuja estirpe e ligação modernas se veem revolucionadas, superampliadas em objetivos, horizonte, porosidade - vejam as ressonâncias longínquas com os bichos de Lygia Clark, por exemplo, sendo já bichos penetráveis. Tudo gerado por uma reflexividade que não é só ocular, é mais especular, reflexiva (em ambos sentidos da palavra, de indagação e da refração), pois não cabe dúvida que os artefatos de Eliane Prolik possuem outra dinâmica mundana, e em seu rigor construtivo também sabem ser humoristicamente antiformais, registrar-se como objetos do mundo dessacralizado (tão cotidiano quanto comercial em sua comum e singela procedência). Assim, o movimento contínuo de Escalante está em gerúndio e nas trabalhadas articulações de seu ser medusa é corpo e espaço, ao mesmo tempo (quem sabe até respirar aquela organicidade pungente conjurada por Maria Martins). E o convite para enxergar outros planos multifacetados - e chame-se a atenção para as duas escadas vindo do teto, assim como para o grande número de furos das escadas - revela que se está lidando com uma aura contemporânea, tão desconstruída quanto reconstruída, e vice-versa.
[novembro, 2017]