Helio Fervenza
espessa transparência
julho 2019
espessa transparência
julho 2019
Notas para espessa transparência:
1) Desde o início de minha prática artística, em meados dos anos oitenta, venho utilizando diferentes meios (instalação, fotografia, objetos, gravura, recortes em vinil adesivo, etc.) nos quais alguns aspectos são recorrentes, tais como os sinais de pontuação, os intervalos, a relação dentro-fora e a ênfase nas articulações estabelecidas com os diversos elementos das proposições entre si, com o espaço expositivo e com o público como ativadoras de sentidos. Além disso, nessa prática, há um marcado interesse pelos dispositivos e meios de apresentação. Esses aspectos também atravessam, estruturam ou constituem os assuntos abordados. Assim, por exemplo, a constituição física ou a dimensão perceptiva da obra está relacionada ou é afetada pelo contexto de sua apresentação e pelas diferentes concepções de arte aí inscritas.
2) Inicialmente, numa perspectiva semiótica, pode-se dizer que uma vitrine constitui-se numa borda, assim como as molduras e os suportes de escultura. Entretanto, as bordas não se definem por uma aparência material, mas por uma função, a do index. As bordas indicam enunciados que podem ser icônicos ou plásticos, mas elas não os delimitam de uma maneira rígida. Elas organizam e identificam os espaços desses enunciados, o que seja interno ou externo a esses. A borda é ao mesmo tempo incluída e excluída do espaço indicado, ela é simultaneamente limite e lugar de passagem [Ver Groupe µ. Traité du Signe Visuel. Paris, Seuil, 1992, pp.:377 - 381].
3) Quando penso em vitrines, a imagem mais imediata que me vem em mente é a das vitrines comerciais, aquelas que apresentam mercadorias e produtos. A vitrine é um dispositivo que oferece uma visibilidade desses objetos, ao utilizar materiais transparentes, como o vidro, criando, assim, uma barreira que impede o contato e a aproximação ao mesmo tempo que deixa passar nosso olhar. Por ela circulam as mercadorias, bem como o nosso olhar, transportado sobre elas. A transparência permite esse embarque e reverbera no dispositivo, produzindo nele um efeito de invisibilidade. Quer dizer, nesse processo, o dispositivo tende a ser transparente e, portanto, invisível.
4) A vitrine é lugar de passagem, mas é também um veículo, no sentido de meio de divulgação, de publicidade, de promoção. Passagem e veículo, a vitrine abre uma passagem na qual ela é o veículo.
5) No projeto de espessa transparência, levei em conta o fato de que a vitrine do Estudio Dezenove lembra e conota uma vitrine de uso comercial – esta é sua referência mais imediata – tendo em vista seu formato, sua constituição e sua posição em relação à rua. Ela é composta fisicamente pelo que poderíamos chamar de uma barreira transparente, de vidro, e por barreiras opacas, de MDF pintado em branco, formando um tipo de grande caixa. Para quem olha da rua, a barreira transparente situa-se bem na frente, as outras situam-se no fundo e nos lados. No meio, o vazio. Ali onde o dispositivo indicaria a presença de algo – camisa, televisão, geladeira, sapato, chave de fenda, perfume – não há nada.
6) Na realização do projeto, utilizei um grande logotipo recortado em vinil branco, adesivado no vidro, e outro no mesmo tamanho, material e cor, adesivado na parede do fundo da vitrine. Esse tipo de logotipo provém das janelas dos ônibus intermunicipais – ele é colado sobre o vidro e indica como proceder em casos de emergência.
7) Um dos problemas aqui implicados é que nós não podemos mostrar a transparência a não ser através de uma ruptura em sua continuidade, através de alguma coisa de estranha a ela mesma: “Ao designar sua translucidez, o vidro torna-se opaco. Com efeito, nós não podemos mostrar a transparência que através de um circuito de falhas precisamente a anulem como transparência. Assim, os signos da transparência são as fraturas dessa transparência” [Gandelman, Claude. Représenter le verre. Traverses, Paris: CIC/Centre Georges Pompidou, n.46, p.114].
Hélio Fervenza
Porto Alegre, novembro de 2019
1) Desde o início de minha prática artística, em meados dos anos oitenta, venho utilizando diferentes meios (instalação, fotografia, objetos, gravura, recortes em vinil adesivo, etc.) nos quais alguns aspectos são recorrentes, tais como os sinais de pontuação, os intervalos, a relação dentro-fora e a ênfase nas articulações estabelecidas com os diversos elementos das proposições entre si, com o espaço expositivo e com o público como ativadoras de sentidos. Além disso, nessa prática, há um marcado interesse pelos dispositivos e meios de apresentação. Esses aspectos também atravessam, estruturam ou constituem os assuntos abordados. Assim, por exemplo, a constituição física ou a dimensão perceptiva da obra está relacionada ou é afetada pelo contexto de sua apresentação e pelas diferentes concepções de arte aí inscritas.
2) Inicialmente, numa perspectiva semiótica, pode-se dizer que uma vitrine constitui-se numa borda, assim como as molduras e os suportes de escultura. Entretanto, as bordas não se definem por uma aparência material, mas por uma função, a do index. As bordas indicam enunciados que podem ser icônicos ou plásticos, mas elas não os delimitam de uma maneira rígida. Elas organizam e identificam os espaços desses enunciados, o que seja interno ou externo a esses. A borda é ao mesmo tempo incluída e excluída do espaço indicado, ela é simultaneamente limite e lugar de passagem [Ver Groupe µ. Traité du Signe Visuel. Paris, Seuil, 1992, pp.:377 - 381].
3) Quando penso em vitrines, a imagem mais imediata que me vem em mente é a das vitrines comerciais, aquelas que apresentam mercadorias e produtos. A vitrine é um dispositivo que oferece uma visibilidade desses objetos, ao utilizar materiais transparentes, como o vidro, criando, assim, uma barreira que impede o contato e a aproximação ao mesmo tempo que deixa passar nosso olhar. Por ela circulam as mercadorias, bem como o nosso olhar, transportado sobre elas. A transparência permite esse embarque e reverbera no dispositivo, produzindo nele um efeito de invisibilidade. Quer dizer, nesse processo, o dispositivo tende a ser transparente e, portanto, invisível.
4) A vitrine é lugar de passagem, mas é também um veículo, no sentido de meio de divulgação, de publicidade, de promoção. Passagem e veículo, a vitrine abre uma passagem na qual ela é o veículo.
5) No projeto de espessa transparência, levei em conta o fato de que a vitrine do Estudio Dezenove lembra e conota uma vitrine de uso comercial – esta é sua referência mais imediata – tendo em vista seu formato, sua constituição e sua posição em relação à rua. Ela é composta fisicamente pelo que poderíamos chamar de uma barreira transparente, de vidro, e por barreiras opacas, de MDF pintado em branco, formando um tipo de grande caixa. Para quem olha da rua, a barreira transparente situa-se bem na frente, as outras situam-se no fundo e nos lados. No meio, o vazio. Ali onde o dispositivo indicaria a presença de algo – camisa, televisão, geladeira, sapato, chave de fenda, perfume – não há nada.
6) Na realização do projeto, utilizei um grande logotipo recortado em vinil branco, adesivado no vidro, e outro no mesmo tamanho, material e cor, adesivado na parede do fundo da vitrine. Esse tipo de logotipo provém das janelas dos ônibus intermunicipais – ele é colado sobre o vidro e indica como proceder em casos de emergência.
7) Um dos problemas aqui implicados é que nós não podemos mostrar a transparência a não ser através de uma ruptura em sua continuidade, através de alguma coisa de estranha a ela mesma: “Ao designar sua translucidez, o vidro torna-se opaco. Com efeito, nós não podemos mostrar a transparência que através de um circuito de falhas precisamente a anulem como transparência. Assim, os signos da transparência são as fraturas dessa transparência” [Gandelman, Claude. Représenter le verre. Traverses, Paris: CIC/Centre Georges Pompidou, n.46, p.114].
Hélio Fervenza
Porto Alegre, novembro de 2019