Alex Hamburger
k-othrine
abril de 2003
k-othrine
abril de 2003
K-othrine
Com mostra e ação na abertura sob esse aparentemente misterioso título, apropriado de um universo alheio ao meio artístico, conforme que irei apresentar a seguir, tive o prazer e a honra de participar do projeto “Vitrine Efêmera”, do Estudio Dezenove, além de ter procurado levantar questões candentes do campo da arte contemporânea.
Nesse sentido, é essencial começar afirmando que como participante ativo nos processos de experimentação com novas linguagens artísticas desde o início da década de 80 do século passado no Rio de Janeiro, gostaria de relatar resumidamente alguns fatos que caracterizam e introduzem o presente trabalho. É largamente reconhecido que em termos de arte o século XX abrigou todas as iniciativas verdadeiramente reveladoras da ousadia humana, que possuíam como marca registrada o arrojo e a experimentação com materiais e ideias, pelas quais buscavam alcançar a total liberdade de expressão. Assim, surge por volta do início dos anos 60 um meio sem mensagens redentoras, perturbador, explosivo, que superava pelo seu arrojo e despojamento incomuns a todos os demais: a arte-performance. Contudo, naquela época, o mundo ainda não estava preparado para absorve-lo, fazendo com que seus passos iniciais se restringissem a um pequeno grupo de artistas radicais. Transportemo-nos agora ao novo século (XXI) e às atividades ocorridas entre aquelas primeiras incursões até a presente data. Foram sem dúvida avassaladoras, numa precipitação que se anunciava no horizonte desde o momento em que se percebeu que “um dia os artistas iriam utilizar os materiais mais banais, como os que se encontram nas ruas, lojas, shoppings, e ainda o uso do próprio corpo humano como suporte, como trabalham hoje com pincéis, cinzel, telas, cerâmica e violinos”[1].
Tempos propícios para a instauração entre nós do advento performático, com toda a sua carga de lirismo corrosivo, irreverência e confronto com as condutas esgotadas e recorrentes, permeando e deixando-se inocular por todas as expressões que desafiam padrões e normas estabelecidas, da poesia à música, das artes visuais ao vídeo, da fotografia ao teatro. Entretanto, num ambiente como o nosso, cuja tônica em geral é a falta de pesquisas e de propostas mais experimentais, é recebido com uma certa perplexidade e descaso pela intelligentsia local, que procurou esvaziar as intervenções que utilizavam esta linguagem, cujo objetivo principal era o de operar as transformações que originalmente se propôs, rotulando-as de inconsequentes, modismo, dèja vu, etc. Entretanto, com os enormes esforços de trabalhos como os da presente exposição, e de outros nesta linha, esses críticos de visão distorcida por séculos de tradição, começaram a perceber lentamente que os contínuos sinais de mudança emitidos, podiam indicar a erupção de algo verdadeiramente inovador no morno panorama que vigia à época.
Passada essa constatação, podemos agora falar de duas ou três coisas que sabemos dela, como a sua constituição híbrida e interdisciplinar, algo que nos permite aludir que se o Cinema é considerado a sétima arte, bastou naquela hora transpormos apenas uma casa decimal e nos convertermos em adventistas de uma oitava arte! Interferindo poeticamente no cotidiano, isto é, no tempo e no espaço em que nos movemos, vamos ao mesmo tempo ao encontro do momento em que se processa uma experiência alternada, o que provoca uma liberdade sensorial jamais percebida pelas instâncias estéticas lineares e da representação, além de se constituir num procedimento envolvente para retomar e resgatar as discussões em torno do papel da arte contemporânea. Para a sua elaboração nada é desprezado, desde os produtos industriais mais banais da nossa sociedade de consumo às intuições que repensam o ser como epicentro dos novos estados da alma, num exercício constante de como as coisas se manifestam na conjunção arte/vida.
Poesia acionista ao mesmo tempo intensa e questionadora, incandescente e entediante, com uma filosofia de ‘para-choque de caminhão’, da obviedade e do efêmero, eis o que poderia ser uma ótima distopia para um procedimento altamente provocador.
Alex Hamburger
Rio, 2003
[1] PAIK Nam June. Beuys Vox, 1961 – 1986. Won Gallery/Hyundai /Gallery Seoul, Korea
Com mostra e ação na abertura sob esse aparentemente misterioso título, apropriado de um universo alheio ao meio artístico, conforme que irei apresentar a seguir, tive o prazer e a honra de participar do projeto “Vitrine Efêmera”, do Estudio Dezenove, além de ter procurado levantar questões candentes do campo da arte contemporânea.
Nesse sentido, é essencial começar afirmando que como participante ativo nos processos de experimentação com novas linguagens artísticas desde o início da década de 80 do século passado no Rio de Janeiro, gostaria de relatar resumidamente alguns fatos que caracterizam e introduzem o presente trabalho. É largamente reconhecido que em termos de arte o século XX abrigou todas as iniciativas verdadeiramente reveladoras da ousadia humana, que possuíam como marca registrada o arrojo e a experimentação com materiais e ideias, pelas quais buscavam alcançar a total liberdade de expressão. Assim, surge por volta do início dos anos 60 um meio sem mensagens redentoras, perturbador, explosivo, que superava pelo seu arrojo e despojamento incomuns a todos os demais: a arte-performance. Contudo, naquela época, o mundo ainda não estava preparado para absorve-lo, fazendo com que seus passos iniciais se restringissem a um pequeno grupo de artistas radicais. Transportemo-nos agora ao novo século (XXI) e às atividades ocorridas entre aquelas primeiras incursões até a presente data. Foram sem dúvida avassaladoras, numa precipitação que se anunciava no horizonte desde o momento em que se percebeu que “um dia os artistas iriam utilizar os materiais mais banais, como os que se encontram nas ruas, lojas, shoppings, e ainda o uso do próprio corpo humano como suporte, como trabalham hoje com pincéis, cinzel, telas, cerâmica e violinos”[1].
Tempos propícios para a instauração entre nós do advento performático, com toda a sua carga de lirismo corrosivo, irreverência e confronto com as condutas esgotadas e recorrentes, permeando e deixando-se inocular por todas as expressões que desafiam padrões e normas estabelecidas, da poesia à música, das artes visuais ao vídeo, da fotografia ao teatro. Entretanto, num ambiente como o nosso, cuja tônica em geral é a falta de pesquisas e de propostas mais experimentais, é recebido com uma certa perplexidade e descaso pela intelligentsia local, que procurou esvaziar as intervenções que utilizavam esta linguagem, cujo objetivo principal era o de operar as transformações que originalmente se propôs, rotulando-as de inconsequentes, modismo, dèja vu, etc. Entretanto, com os enormes esforços de trabalhos como os da presente exposição, e de outros nesta linha, esses críticos de visão distorcida por séculos de tradição, começaram a perceber lentamente que os contínuos sinais de mudança emitidos, podiam indicar a erupção de algo verdadeiramente inovador no morno panorama que vigia à época.
Passada essa constatação, podemos agora falar de duas ou três coisas que sabemos dela, como a sua constituição híbrida e interdisciplinar, algo que nos permite aludir que se o Cinema é considerado a sétima arte, bastou naquela hora transpormos apenas uma casa decimal e nos convertermos em adventistas de uma oitava arte! Interferindo poeticamente no cotidiano, isto é, no tempo e no espaço em que nos movemos, vamos ao mesmo tempo ao encontro do momento em que se processa uma experiência alternada, o que provoca uma liberdade sensorial jamais percebida pelas instâncias estéticas lineares e da representação, além de se constituir num procedimento envolvente para retomar e resgatar as discussões em torno do papel da arte contemporânea. Para a sua elaboração nada é desprezado, desde os produtos industriais mais banais da nossa sociedade de consumo às intuições que repensam o ser como epicentro dos novos estados da alma, num exercício constante de como as coisas se manifestam na conjunção arte/vida.
Poesia acionista ao mesmo tempo intensa e questionadora, incandescente e entediante, com uma filosofia de ‘para-choque de caminhão’, da obviedade e do efêmero, eis o que poderia ser uma ótima distopia para um procedimento altamente provocador.
Alex Hamburger
Rio, 2003
[1] PAIK Nam June. Beuys Vox, 1961 – 1986. Won Gallery/Hyundai /Gallery Seoul, Korea