Bet Katona
Série Monocromos 02 nº 4
junho de 2015
Série Monocromos 02 nº 4
junho de 2015
Série Monocromos 02 nº 4 – a grande pausa
No livro Imagens Cintilantes, em sua introdução, Camille Paglia nos pergunta como sobreviver nesta era de vertigem e propõe que precisamos reaprender a ver, encontrar o foco, a base da estabilidade, da identidade e da direção da vida. Esse simples questionamento a leva a crer na contemplação da arte como meio de se alcançar o restauro dos sentidos proporcionando uma serenidade mágica. Em contrapartida temos na obra que Bet Katona apresenta em seu projeto para Vitrine Efêmera uma imagem aparentemente árida, mas não menos questionadora da sensibilidade humana e que propõe como meio de escapar à vertigem a memória.
Quando lhe perguntei o porquê da escolha da Golden Gate, ponte localizada no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, obtive a curiosa resposta de alguém com um sentimento de amor a uma cidade, São Francisco, que existe apenas por um tipo de memória conhecido como memória priming ativada por um estímulo, no caso uma imagem: Vertigo (Um Corpo que Cai), o filme de suspense dirigido por Alfred Hitchcock de 1958. A percepção da artista se prende à ponte de maneira adversa ao iconoclasta em tal ordem que lhe configura um universo imagético de devoção em que busca materializar os ensinamentos do mestre do cinema. O famoso diretor britânico era conhecido pelo uso magistral de cores, e especialmente em Vertigo podemos identificar cores específicas para passar ideias específicas como o azul, o verde e o vermelho. O personagem de James Stewart aparece predominantemente em azul enquanto que o de Kim Novak em verde, em suas duas fases ao longo da trama. O primeiro encontro dos dois é envolto em um ambiente vermelho o que anuncia perigo ao espectador, e as contaminações cromáticas se dão sempre. Quando ela tenta o suicídio aos olhos distantes de Stewart, o faz, “curiosamente”, sob a ponte (até hoje, desde sua inauguração, mais de mil casos de suicídio já ocorreram de pessoas que se atiraram da ponte) que aparece realçada em seu tom avermelhado.
Pause.
Para Bet Katona é como se a película sofresse uma longa pausa e a ponte flutuasse por um filtro de névoa (que tantas vezes foi utilizado na fita) e não mais um cartão postal da cidade fosse mostrado, mas o imenso vazio que aflige os personagens numa espiral alucinante. Série Monocromos 02 nº 4, assim intitulada a intervenção na vitrine, exaure o contexto situacional de onde retira sua imagética suplantando o conjunto das condições psicológicas, sociais e históricas que determinam um enunciado. Se tivéssemos por título dessa obra o homônimo da ponte que a inspirou estaríamos incorrendo na falha que tiveram quando da escolha do título para o filme, que antecipa um de seus momentos mais impactantes. A artista, cirurgicamente, extrai uma fatia do objeto analisado e visualiza sua estrutura como potência narrativa sensível que permeia, em última instância, nossas vidas: a busca pela felicidade. Sempre inalcançável, a felicidade se reflete em uma expectativa melancólica e monótona, incoerente e insurgente, adesivada ao vidro como a cor de um corpo em outro no qual nos apresenta a artista a fugaz alegria de um efeito vertiginoso que nos aproxima e nos afasta da vitrine similar ao efetuado pelo diretor com sua câmera em zoom ao mesmo tempo que se move para trás, nos deixando aturdidos como o detetive aposentado que sofre de acrofobia.
Paglia, Hitchcock e Katona (e por que não você e eu?) estão naquele embate pessoal em que questionam o indivíduo como senhor de suas próprias imagens ou preso ao turbilhão de imagens reluzentes que tilintam a sua volta. A grande pausa que todos precisamos dar é ainda a da reflexão sobre o que é arte e o que dela queremos, tão descompassados que estamos que nos vemos perdidos em meio ao que é beleza ou gosto, cultura ou modismo, sem que nos consideremos ingênuos ou reacionários, como diria Paglia. Ou para afastarmos nossos medos como diria Hitchcock. Ou para chutar o balde como diria Katona.
Osvaldo Carvalho
No livro Imagens Cintilantes, em sua introdução, Camille Paglia nos pergunta como sobreviver nesta era de vertigem e propõe que precisamos reaprender a ver, encontrar o foco, a base da estabilidade, da identidade e da direção da vida. Esse simples questionamento a leva a crer na contemplação da arte como meio de se alcançar o restauro dos sentidos proporcionando uma serenidade mágica. Em contrapartida temos na obra que Bet Katona apresenta em seu projeto para Vitrine Efêmera uma imagem aparentemente árida, mas não menos questionadora da sensibilidade humana e que propõe como meio de escapar à vertigem a memória.
Quando lhe perguntei o porquê da escolha da Golden Gate, ponte localizada no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, obtive a curiosa resposta de alguém com um sentimento de amor a uma cidade, São Francisco, que existe apenas por um tipo de memória conhecido como memória priming ativada por um estímulo, no caso uma imagem: Vertigo (Um Corpo que Cai), o filme de suspense dirigido por Alfred Hitchcock de 1958. A percepção da artista se prende à ponte de maneira adversa ao iconoclasta em tal ordem que lhe configura um universo imagético de devoção em que busca materializar os ensinamentos do mestre do cinema. O famoso diretor britânico era conhecido pelo uso magistral de cores, e especialmente em Vertigo podemos identificar cores específicas para passar ideias específicas como o azul, o verde e o vermelho. O personagem de James Stewart aparece predominantemente em azul enquanto que o de Kim Novak em verde, em suas duas fases ao longo da trama. O primeiro encontro dos dois é envolto em um ambiente vermelho o que anuncia perigo ao espectador, e as contaminações cromáticas se dão sempre. Quando ela tenta o suicídio aos olhos distantes de Stewart, o faz, “curiosamente”, sob a ponte (até hoje, desde sua inauguração, mais de mil casos de suicídio já ocorreram de pessoas que se atiraram da ponte) que aparece realçada em seu tom avermelhado.
Pause.
Para Bet Katona é como se a película sofresse uma longa pausa e a ponte flutuasse por um filtro de névoa (que tantas vezes foi utilizado na fita) e não mais um cartão postal da cidade fosse mostrado, mas o imenso vazio que aflige os personagens numa espiral alucinante. Série Monocromos 02 nº 4, assim intitulada a intervenção na vitrine, exaure o contexto situacional de onde retira sua imagética suplantando o conjunto das condições psicológicas, sociais e históricas que determinam um enunciado. Se tivéssemos por título dessa obra o homônimo da ponte que a inspirou estaríamos incorrendo na falha que tiveram quando da escolha do título para o filme, que antecipa um de seus momentos mais impactantes. A artista, cirurgicamente, extrai uma fatia do objeto analisado e visualiza sua estrutura como potência narrativa sensível que permeia, em última instância, nossas vidas: a busca pela felicidade. Sempre inalcançável, a felicidade se reflete em uma expectativa melancólica e monótona, incoerente e insurgente, adesivada ao vidro como a cor de um corpo em outro no qual nos apresenta a artista a fugaz alegria de um efeito vertiginoso que nos aproxima e nos afasta da vitrine similar ao efetuado pelo diretor com sua câmera em zoom ao mesmo tempo que se move para trás, nos deixando aturdidos como o detetive aposentado que sofre de acrofobia.
Paglia, Hitchcock e Katona (e por que não você e eu?) estão naquele embate pessoal em que questionam o indivíduo como senhor de suas próprias imagens ou preso ao turbilhão de imagens reluzentes que tilintam a sua volta. A grande pausa que todos precisamos dar é ainda a da reflexão sobre o que é arte e o que dela queremos, tão descompassados que estamos que nos vemos perdidos em meio ao que é beleza ou gosto, cultura ou modismo, sem que nos consideremos ingênuos ou reacionários, como diria Paglia. Ou para afastarmos nossos medos como diria Hitchcock. Ou para chutar o balde como diria Katona.
Osvaldo Carvalho