ENTRELUZ / FENDAS Longe de imaginar que o trabalho de gravura de Chang Chi Chai deriva de alguma estrita influência caligráfica oriental pelo traço de alguns gestos, parece muito mais apropriado considerar a função do vazio como o elemento essencial e atávico da arte chinesa o que mais se respira nesta obra. De fato, neste selecionado conjunto de águas-tinta, que arranca desde 1986 até hoje e ironicamente nunca mostradas coletivamente, há um ascetismo visual tão espiritual quanto também ocidental, sobretudo quando se pensa nas livres afinidades com a arte mais porosa com o invisível, ou esse espaço intersticial do visível que nomeia o que se esconde (e nesta zona-brecha de linguagem há uma estirpe nobre com nomes próprios, Malevitch, Franz Kline, Mark Tobey, Eduardo Chillida...); pois a natureza condensada de seus trabalhos, aqui divididos em três direções (gravuras-alfabeto, misto-figurais e espaciais), fala de um não saber fundamental explicitado, atingido como meta e progressão estética. Como diz a artista, "procuro aquilo que não sei”, e nessa aventura descondicionada - até biograficamente - em que ressoa a outra mirada primordial ecoa o vislumbrável, ou seja: esse repertório, oferenda de frestas, fendas de entreluz, clarões acessos, de limites negros que gravitam entre o peso e sua matéria (desde o ácido do tempo a suas grandes sombras planares ou arquiteturais) e a leveza do branco (do ar, que é também o fundo, outro pathos do começo, o inaugural). Gravuras fincadas portanto nos interstícios, onde se situam os limites do espaço, talvez o desejo inconfessável de uma unidade quimérica. “O espaço vazio é o lugar onde tudo acontece” diz um poeta espanhol (José Ángel Valente), e nesta breve mas indispensável agrupação de obras de Chang Chi Chai se desenham diferentes meditações visuais (como fazia também Mira Schendel), tão necessárias como uma segunda natureza a preservar. O horror vacui, o nada, sabemos, fazem parte do fundo do real, mas aqui tudo ganha outra respiração visual, ganhamos em proximidade com esse mistério. E no habitat destas gravuras se mostra o avesso sempre a ser descoberto, quase como dança, paisagem de silêncio. Ou alguma iluminação a favor. Adolfo Montejo Navas [novembro, 2017] |