CAPTAÇÃO DE RITMOS Com este título poderíamos resumir a sensação que as obras de Diô Viana nos transmitem. Mas as obras, em si, não se resumem, elas se expandem, espalham-se pelas superfícies, desdobram-se em dípticos, sobrepõem-se em transparências e concentrações matéricas - acúmulos que intensificam a interpretação do movimento. Embora use como referência os elementos naturais da floresta amazônica - daí o artista nomear este conjunto de gravuras, “equatorial”- é preciso descobrir, decifrar por entre formas quase abstratas, quais são os seres e entes naturais presentes na obra, ou as forças que atuam no ambiente. Em um dos dípticos pensa-se ver a sombra das árvores e um emaranhado de galhos e folhas, contra um fundo esmaecido como que carregado de umidade, mas as manchas negras do carborundum saltam para o espaço tridimensional afirmando outra dimensão da obra, sua realidade como processo de impressões sucessivas, rebatimentos e agregação de matéria. Outros, observados à distância assemelham-se a mapas meteorológicos, fotografias aéreas da geografia dos continentes, imagens de satélite gravadas em vídeo do movimento dos oceanos, das massas de chuva, ou ventos, tornados, nuvens e outros fenômenos aéreos da natureza. É notável o uso das cores e dos contrates, por exemplo, entre o azul e o negro, ou o relevo dos vermelhos-terra, que nos faz sentir o barro. Em outros momentos sentimos as texturas, como se estivéssemos andando sobre folhas ou alisando um pelo de animal... Mas não é possível definir as imagens como representações destes elementos e forças, assim como também não se tratam de puras abstrações. São gravuras que se situam em um registro intermediário, flutuam entre abstração e figuração, e constituem-se como linguagem universal ao recusar ilustrar, ou somente representar, a natureza amazônica. Em sua preferência por grafismos orgânicos, o artista contraria o traço cultural indígena da região, dos grafismos ritualísticos retilíneos e paralelos, e instaura uma “geometria” própria, na qual os rebatimentos das imagens criam uma condição de movimento contínuo e circular, e preenchem nossos sentidos com a certeza do eterno devir das águas onipresentes da região. Diô Viana utiliza diferentes matrizes, em madeira e metal, sobrepondo imagens, compondo. A xilo como recurso para escavar as formas de gota que, sendo impressas, como que escorrem velozmente pela superfície do papel, atravessando massas e volumes de tinta, evocando o movimento das águas. A ponta seca no metal cria linhas finíssimas, preenchendo e transbordando o papel, resultando numa espécie de leito. Por fim o carborundum, um relevo áspero e opaco fixado sobre as imagens impressas, reforça a sensação de profundidade e de tridimensionalidade. Tudo é sensação... E aqui me ocorre que talvez a presença deste material – carborundum, da ordem do carvão – também se proponha a comentar um processo em curso, levado a cabo por homens cuja humanidade se demonstra improvável, da derrubada e queima da floresta para satisfazer a ganância egoísta dos insensíveis... Destino triste e indesejável da nossa floresta, que coloca em risco direto as populações frágeis de índios e ribeirinhos que a habitam, todas as espécies animais e vegetais, recursos hídricos, o manancial de vida e conhecimento ainda não descoberto. O carvão simbólico, aplicado sobre a beleza da obra, “sujando” a cor, tirando a leveza da imagem... Impossível não associá-lo com esta sina que mata a vida no nascedouro, que a todos nós submete – enquanto habitantes da floresta e do planeta – e coloca em risco a vida na Terra. Fabiana Éboli Santos Outubro 2014 |