Coletivo Filé de Peixe
veronika der lenz ist da
agosto de 2010
veronika der lenz ist da
agosto de 2010
Por Acaso, Veronika
Dizemos hoje que diante da insuficiência de probabilidades na previsão temos o acaso. Prever é uma questão de se examinar dados e informações que possibilitem não a adivinhação de fatos futuros, mas a conclusão racional de causas e efeitos. Se assim não ocorre, se nos faltam meios para sustentar um cálculo perceptivo das somas das partes, ou estamos ao acaso ou contamos com a sorte.
Lancemos os dados, então.
Inaugurando uma nova fase do Projeto Vitrine Efêmera, o Coletivo Filé de Peixe traz ao público uma de suas ações desenvolvidas sobre filmes em Super-8 intitulada Veronika, der Lenz ist da (Veronika, a Primavera chegou). Os filmes fazem parte de um acervo que o Coletivo vem mantendo a partir de descartes que adquirem, entre outros lugares, no mercado de pulgas da Praça XV, no Rio de Janeiro. Vale salientar que são restos e pedaços de filmes que foram jogados fora e que por incalculáveis razões foram levados à venda, à espera de alguém que lhes desse valor, e por isso pagasse.
Uma longa digressão seria necessária para explicar porque esse ou aquele pedaço da filmagem ficou enquanto outros tantos pedaços foram perdidos. Contudo, o que realmente nos chama a atenção é o fato de que há sempre um pedaço aqui, ali, alhures. As “incalculáveis razões” podem nos levar a crer em um acaso recorrente. Mas como? Como pode o acaso se repetir? Anne Cauquelin nos lembra que “se o fazer é impossível, resta a escolha, à qual está reduzida a parte do artista. Com efeito, já que o continente espacial é importante, o continente temporal, o momento, o é da mesma maneira, pois a escolha do objeto pertence ao acaso, ao encontro, à ocasião. Duchamp chamará esse exercício temporal de acaso em conserva.” [1]
Em suas andanças os artistas Felipe Cataldo, Fernanda Antoun e Alex Topini, integrantes do Coletivo Filé de Peixe, partem em busca do acaso. Têm em mente que querem filmes não importa o estado de conservação. O que buscam são objetos em primeira instância, não sabem o que há ou se há algo para neles ver. Sua mineração é pelo material quadro a quadro que se revelará apenas em laboratório. E quadro a quadro uma sucessão de acasos. A escolha do título para esta intervenção na vitrine surgiu de um achado que fizeram em um dos restos de filme que continha em seu exterior a inscrição (feita por uma antiga rotuladora) que dá nome ao trabalho do grupo. E o que se pensava ser um filme sobre uma certa Veronika, era na verdade o título de uma música alemã que ficou muito famosa nos anos 30 do século passado.
Imagino que se tomamos as ideias como gerais, isto é, quando delas são afastadas as circunstâncias de tempo e lugar, perdemos referências fundamentais, deixamos de observar as origens e “desde sua origem, a imagem só adquire sentido na relação que ela mantém com o sagrado.” [2] Nesse caso devemos observar uma distinção relevante que é a de não confundir o filme (objeto) com a imagem (sagrado). Por exemplo, o filme em Super-8 é abandonado por conta de uma nova tecnologia que permite transpor suas imagens para o meio digital. Este oferece uma manutenção mais simples além de qualidade de imagem, trazendo praticidade ao usuário. No entanto a troca de meios não afasta a função emotiva que a imagem proporciona, pois “ainda que não seja em si mesmo portador de sentido, o sagrado determina e fixa, no espaço e no tempo, os pontos de referência que as sociedades consideram como absolutos.” [3]
O que o Coletivo Filé de Peixe nos proporciona é a reparação do que foi expurgado trazendo de volta ao mundo filmes adicionados a outros e outros tantos em uma escala sem fim nem início. O fluxo segue e se repete perpassando acúmulos e apropriações. O que sutilmente se apresenta é uma colagem que pouco a pouco ocupa o seu lugar no sagrado: a obra de arte.
Osvaldo Carvalho
[1] CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea – uma introdução. Martins Fontes. São Paulo. 2005.
[2] COUCHOT, Edmond. A Tecnologia na Arte – da fotografia à realidade virtual. UFRGS Editora. Porto Alegre. 2003.
[3] Idem.
Dizemos hoje que diante da insuficiência de probabilidades na previsão temos o acaso. Prever é uma questão de se examinar dados e informações que possibilitem não a adivinhação de fatos futuros, mas a conclusão racional de causas e efeitos. Se assim não ocorre, se nos faltam meios para sustentar um cálculo perceptivo das somas das partes, ou estamos ao acaso ou contamos com a sorte.
Lancemos os dados, então.
Inaugurando uma nova fase do Projeto Vitrine Efêmera, o Coletivo Filé de Peixe traz ao público uma de suas ações desenvolvidas sobre filmes em Super-8 intitulada Veronika, der Lenz ist da (Veronika, a Primavera chegou). Os filmes fazem parte de um acervo que o Coletivo vem mantendo a partir de descartes que adquirem, entre outros lugares, no mercado de pulgas da Praça XV, no Rio de Janeiro. Vale salientar que são restos e pedaços de filmes que foram jogados fora e que por incalculáveis razões foram levados à venda, à espera de alguém que lhes desse valor, e por isso pagasse.
Uma longa digressão seria necessária para explicar porque esse ou aquele pedaço da filmagem ficou enquanto outros tantos pedaços foram perdidos. Contudo, o que realmente nos chama a atenção é o fato de que há sempre um pedaço aqui, ali, alhures. As “incalculáveis razões” podem nos levar a crer em um acaso recorrente. Mas como? Como pode o acaso se repetir? Anne Cauquelin nos lembra que “se o fazer é impossível, resta a escolha, à qual está reduzida a parte do artista. Com efeito, já que o continente espacial é importante, o continente temporal, o momento, o é da mesma maneira, pois a escolha do objeto pertence ao acaso, ao encontro, à ocasião. Duchamp chamará esse exercício temporal de acaso em conserva.” [1]
Em suas andanças os artistas Felipe Cataldo, Fernanda Antoun e Alex Topini, integrantes do Coletivo Filé de Peixe, partem em busca do acaso. Têm em mente que querem filmes não importa o estado de conservação. O que buscam são objetos em primeira instância, não sabem o que há ou se há algo para neles ver. Sua mineração é pelo material quadro a quadro que se revelará apenas em laboratório. E quadro a quadro uma sucessão de acasos. A escolha do título para esta intervenção na vitrine surgiu de um achado que fizeram em um dos restos de filme que continha em seu exterior a inscrição (feita por uma antiga rotuladora) que dá nome ao trabalho do grupo. E o que se pensava ser um filme sobre uma certa Veronika, era na verdade o título de uma música alemã que ficou muito famosa nos anos 30 do século passado.
Imagino que se tomamos as ideias como gerais, isto é, quando delas são afastadas as circunstâncias de tempo e lugar, perdemos referências fundamentais, deixamos de observar as origens e “desde sua origem, a imagem só adquire sentido na relação que ela mantém com o sagrado.” [2] Nesse caso devemos observar uma distinção relevante que é a de não confundir o filme (objeto) com a imagem (sagrado). Por exemplo, o filme em Super-8 é abandonado por conta de uma nova tecnologia que permite transpor suas imagens para o meio digital. Este oferece uma manutenção mais simples além de qualidade de imagem, trazendo praticidade ao usuário. No entanto a troca de meios não afasta a função emotiva que a imagem proporciona, pois “ainda que não seja em si mesmo portador de sentido, o sagrado determina e fixa, no espaço e no tempo, os pontos de referência que as sociedades consideram como absolutos.” [3]
O que o Coletivo Filé de Peixe nos proporciona é a reparação do que foi expurgado trazendo de volta ao mundo filmes adicionados a outros e outros tantos em uma escala sem fim nem início. O fluxo segue e se repete perpassando acúmulos e apropriações. O que sutilmente se apresenta é uma colagem que pouco a pouco ocupa o seu lugar no sagrado: a obra de arte.
Osvaldo Carvalho
[1] CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea – uma introdução. Martins Fontes. São Paulo. 2005.
[2] COUCHOT, Edmond. A Tecnologia na Arte – da fotografia à realidade virtual. UFRGS Editora. Porto Alegre. 2003.
[3] Idem.