Gê Orthof
ausente
março de 2012
ausente
março de 2012
AUSÊNCIAS
Abrindo a temporada 2012 do Projeto Vitrine Efêmera o artista Gê Orthof apresenta o trabalho Ausente que, em suas palavras é o esforço de uma visualização da memória em que tenta mimetizar um olho/vitrine, uma homenagem que ao mesmo tempo atualizaria a nostalgia da perda para o bairro de Santa Teresa de seus bondinhos tão característicos. Realmente, nossa memória nos deixa passar que estamos a mais de 6 meses sem aquele transporte desde que, em uma tragédia que já se anunciava, um acidente deixou 6 mortos e mais de 50 feridos. E o que hoje temos é uma promessa de reformas e melhorias para revitalização do sistema cujo caráter descritivo da obra deixa muitas dúvidas quanto ao serviço que será prestado aos moradores. Mas tudo para 2014.
O artista cria uma fenda na vitrine apresentando ao público justamente o hiato que há em nossas mentes. Traz consigo imagens e objetos que dialogam com nossos horizontes antropológicos acerca de nossas instituições – de como lidamos com elas e com as perdas delas advindas. Liberdade e autonomia são os primeiros sintomas que sentimos ao nos submetermos a regras específicas de convívio relativas a determinados corpos sociais. Os padrões essenciais de relações nos obrigam a abrir mão de dons inatos. É certo que a vida em sociedade nos cobra um ajuste constante entre o desejo particular e as necessidades de todos, mas o que ele, artista, de maneira sutil e delicada, nos pergunta é: como abrir mão de nossas consciências? Ou melhor, como ainda podemos abrir mão de nossas consciências?
Não há uma resposta fácil, muito menos definitiva. Certamente tampouco o artista tem essa pretensão de conjugar em sua montagem os meandros analíticos de tais circunstâncias. Ao contrário, sinaliza uma pequena faixa do território de competências pessoais a qual oferece ao observador como matéria de reflexão.
Todavia é a simplicidade que, por vezes, projeta em nós as observações mais argutas. Gê Orthof nos oferece – naquilo que Roberto DaMatta explica como espaço da rua, em contraposição ao espaço da casa, o lugar da luta cuja crueldade se dá no fato de contrariar frontalmente todas as nossas vontades – um refúgio que guarda em seus poucos elementos constitutivos a narrativa afiada de quem percebe o mundo a sua volta e o representa densamente ilustrado. Do genérico, o amarelo-bonde ao longo da vitrine, ao específico, a casinha ao fundo da intervenção, o artista é contundente ao discernir o quanto estamos ausentes. Sim. Nossas recordações, pelo próprio esforço dos dias, vão se fragmentando até o limite da alienação em que novas mensagens chegam até nós e substituem as anteriores e o ciclo assim se repete indefinidamente. “Lembra do bonde? Pois é, o que aconteceu mesmo?”
E quando surpreendidos pela imagem de um bonde em chamas confundimos causa e efeito, lugar e circunstância, enquanto tentamos resgatar alguma lembrança nalgum lugar de nossas cabeças. Entretanto o que se constitui ensaio artístico presente é a dissociação com o objeto em si e a consequente valorização do processo criativo. O artista não busca verdades únicas em suas imagens, intenciona antes ativar um fenômeno presente na arte contemporânea de demanda diversa daquelas, qual seja, o de contestar postulados no meio social, quaisquer que sejam.
Quando sublinha no meio da vitrine um trajeto curto e estreito para o olhar alheio, Gê Orthof acentua o foco da perda, das ausências, dos múltiplos estilhaços lançados para todos à volta de uma memória: o bonde.
Osvaldo Carvalho
Abrindo a temporada 2012 do Projeto Vitrine Efêmera o artista Gê Orthof apresenta o trabalho Ausente que, em suas palavras é o esforço de uma visualização da memória em que tenta mimetizar um olho/vitrine, uma homenagem que ao mesmo tempo atualizaria a nostalgia da perda para o bairro de Santa Teresa de seus bondinhos tão característicos. Realmente, nossa memória nos deixa passar que estamos a mais de 6 meses sem aquele transporte desde que, em uma tragédia que já se anunciava, um acidente deixou 6 mortos e mais de 50 feridos. E o que hoje temos é uma promessa de reformas e melhorias para revitalização do sistema cujo caráter descritivo da obra deixa muitas dúvidas quanto ao serviço que será prestado aos moradores. Mas tudo para 2014.
O artista cria uma fenda na vitrine apresentando ao público justamente o hiato que há em nossas mentes. Traz consigo imagens e objetos que dialogam com nossos horizontes antropológicos acerca de nossas instituições – de como lidamos com elas e com as perdas delas advindas. Liberdade e autonomia são os primeiros sintomas que sentimos ao nos submetermos a regras específicas de convívio relativas a determinados corpos sociais. Os padrões essenciais de relações nos obrigam a abrir mão de dons inatos. É certo que a vida em sociedade nos cobra um ajuste constante entre o desejo particular e as necessidades de todos, mas o que ele, artista, de maneira sutil e delicada, nos pergunta é: como abrir mão de nossas consciências? Ou melhor, como ainda podemos abrir mão de nossas consciências?
Não há uma resposta fácil, muito menos definitiva. Certamente tampouco o artista tem essa pretensão de conjugar em sua montagem os meandros analíticos de tais circunstâncias. Ao contrário, sinaliza uma pequena faixa do território de competências pessoais a qual oferece ao observador como matéria de reflexão.
Todavia é a simplicidade que, por vezes, projeta em nós as observações mais argutas. Gê Orthof nos oferece – naquilo que Roberto DaMatta explica como espaço da rua, em contraposição ao espaço da casa, o lugar da luta cuja crueldade se dá no fato de contrariar frontalmente todas as nossas vontades – um refúgio que guarda em seus poucos elementos constitutivos a narrativa afiada de quem percebe o mundo a sua volta e o representa densamente ilustrado. Do genérico, o amarelo-bonde ao longo da vitrine, ao específico, a casinha ao fundo da intervenção, o artista é contundente ao discernir o quanto estamos ausentes. Sim. Nossas recordações, pelo próprio esforço dos dias, vão se fragmentando até o limite da alienação em que novas mensagens chegam até nós e substituem as anteriores e o ciclo assim se repete indefinidamente. “Lembra do bonde? Pois é, o que aconteceu mesmo?”
E quando surpreendidos pela imagem de um bonde em chamas confundimos causa e efeito, lugar e circunstância, enquanto tentamos resgatar alguma lembrança nalgum lugar de nossas cabeças. Entretanto o que se constitui ensaio artístico presente é a dissociação com o objeto em si e a consequente valorização do processo criativo. O artista não busca verdades únicas em suas imagens, intenciona antes ativar um fenômeno presente na arte contemporânea de demanda diversa daquelas, qual seja, o de contestar postulados no meio social, quaisquer que sejam.
Quando sublinha no meio da vitrine um trajeto curto e estreito para o olhar alheio, Gê Orthof acentua o foco da perda, das ausências, dos múltiplos estilhaços lançados para todos à volta de uma memória: o bonde.
Osvaldo Carvalho