A nossa Maria Lidia Magliani
É provável que seja estarrecedor, mas eu fiquei mais chocado comigo mesmo com a notícia da morte de Maria Lídia Magliani do que com a sua própria morte: não sei por que eu a imaginava imortal. No momento em que recebi a notícia percebi que não era plausível aquela morte. Ela não parecia ser para sempre? É provável que eu simplesmente imaginasse que tínhamos o tempo da eternidade para refazer os nossos fios de comunicação. Não ocorre isto com todos nós? Adiamos certas coisas e de repente o tempo está esgotado.
A Magliani tinha esta atitude formidável e pouco brasileira de não rir para a máquina fotográfica. Isto sempre me agradou muito: não era uma artista que pretendia irradiar bom humor e otimismo.
Eu tomei contato maior com o seu trabalho num Júri, em Porto Alegre, e a premiamos. O seu desenho tinha um raro brilho e era evidente que se tratava de uma artista intensa e de talento vigoroso. E de incisiva individualidade. É um tipo de artista que segue em frente, independente de qualquer obstáculo. Desde então eu a acompanhei, mesmo de longe, nos seus caminhos e descaminhos. A sua rota foi de sofrimento tão intenso quanto o seu talento. Ela não tinha paradeiro, ou não lhe davam o acolhimento necessário. Como saber?
As suas dificuldades me comoviam. E a sua obra, mais ainda. Tinha uma obra de força ímpar, de corte expressionista, e me parecia uma artista marcada pelo sul. Os nossos invernos, as estações bem definidas, a solidão da planície pampeira, a tradição de cultivar o essencial, o asceticismo da formação gaúcha, tudo me fazia acreditar que ela bem representava o sul. Nos nossos poucos contatos pessoais ela não declarava esta afinidade. E nem outras, na verdade. Emergia apenas a sua áspera relação com o cotidiano. Uma vez me irritou a sua ênfase no feminismo, assunto que me parecia menor do que o seu talento. E ela, por sua vez, ficou magoada com a minha irritação. Tolices infantis.
Não será mais possível acolher a Magliani e o seu olhar tão sério, ou dela se deixar acolher. Agora só é possível organizar a visão do seu percurso, refletir sobre o seu trabalho, apresentar a linguagem dessa artista de alta qualidade. Acho que esta tarefa deve ser liderada pelo Rio Grande do Sul. Até para que não se cumpra a profecia sombria de J. L. Borges no seu conto, “Sul”, onde nos diz que o que nós amamos nos mata.
Jacob Klintowitz, 2013
É provável que seja estarrecedor, mas eu fiquei mais chocado comigo mesmo com a notícia da morte de Maria Lídia Magliani do que com a sua própria morte: não sei por que eu a imaginava imortal. No momento em que recebi a notícia percebi que não era plausível aquela morte. Ela não parecia ser para sempre? É provável que eu simplesmente imaginasse que tínhamos o tempo da eternidade para refazer os nossos fios de comunicação. Não ocorre isto com todos nós? Adiamos certas coisas e de repente o tempo está esgotado.
A Magliani tinha esta atitude formidável e pouco brasileira de não rir para a máquina fotográfica. Isto sempre me agradou muito: não era uma artista que pretendia irradiar bom humor e otimismo.
Eu tomei contato maior com o seu trabalho num Júri, em Porto Alegre, e a premiamos. O seu desenho tinha um raro brilho e era evidente que se tratava de uma artista intensa e de talento vigoroso. E de incisiva individualidade. É um tipo de artista que segue em frente, independente de qualquer obstáculo. Desde então eu a acompanhei, mesmo de longe, nos seus caminhos e descaminhos. A sua rota foi de sofrimento tão intenso quanto o seu talento. Ela não tinha paradeiro, ou não lhe davam o acolhimento necessário. Como saber?
As suas dificuldades me comoviam. E a sua obra, mais ainda. Tinha uma obra de força ímpar, de corte expressionista, e me parecia uma artista marcada pelo sul. Os nossos invernos, as estações bem definidas, a solidão da planície pampeira, a tradição de cultivar o essencial, o asceticismo da formação gaúcha, tudo me fazia acreditar que ela bem representava o sul. Nos nossos poucos contatos pessoais ela não declarava esta afinidade. E nem outras, na verdade. Emergia apenas a sua áspera relação com o cotidiano. Uma vez me irritou a sua ênfase no feminismo, assunto que me parecia menor do que o seu talento. E ela, por sua vez, ficou magoada com a minha irritação. Tolices infantis.
Não será mais possível acolher a Magliani e o seu olhar tão sério, ou dela se deixar acolher. Agora só é possível organizar a visão do seu percurso, refletir sobre o seu trabalho, apresentar a linguagem dessa artista de alta qualidade. Acho que esta tarefa deve ser liderada pelo Rio Grande do Sul. Até para que não se cumpra a profecia sombria de J. L. Borges no seu conto, “Sul”, onde nos diz que o que nós amamos nos mata.
Jacob Klintowitz, 2013