Sempre à frente de seu tempo, Léa Hasson Soibelman não abre mão em perseguir seus ideais, sem medo de que o menosprezo oprima seus anseios. A conheci em 1982 ao me recepcionar na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, quando eu, tímida, procurava meu espaço e a mim mesma. Nas gravuras impressas sobre papéis tradicionais aborda temas urbanos, tanto nos intitulados “Trouxas” surgidos num período de profundas alterações sociais, como, mais tarde, nos “Capacetes” com o aparecimento dos motoqueiros na cidade, prenúncio da invasão atual.
Na década de 80 o fastio causado pelo aprisionamento do retângulo do suporte a faz percorrer caminhos pouco trilhados na gravura, por meio da colagem de acetatos entintados sobre elas. Libertação, ideal de renovação, visão de mundo, fazem parte de variantes que não nos permitem enquadrá-la dentro de uma determinada categoria. A sua versatilidade inata a torna capaz de interferir na história da arte a partir de sua própria metodologia de trabalho.
Em 1990, Léa inicia um tipo sui generis de gravura em metal e papel artesanal com o objetivo de torná-la táctil e manuseável e, no processo, ocorre uma descoberta que a leva a um novo suporte, coerente em sua “papelaridade”: o Graphotáctil. A criação de uma gravura palpável levanta questões a respeito do espaço escultural. A estrutura plástica que concebe faz surgir situações antes tidas como impossíveis. Assim, a partir de 1991, sua gravura torna-se realmente escultórica, transforma-se em ampulheta de grandes proporções, em biombo, em tabuleiro de jogo e, em 2005 em cadeira a ser sentada, a “Cadeira de Viver”, concebida como arauto contra a violência, especificamente a da cadeira elétrica. E quando acreditamos ter visto tudo surgem os “Ovoboides”, esculturas interativas que nos fazem apreciar a cor, por dentro.
No presente trabalho Léa cria uma zona de turbulência e reflexão. Graphotácteis se deslocam em sutis movimentos visuais carregando um direito de ir e vir desconcertante. Seu lirismo contrasta com o Não em vermelho que os quer contrariar. Apresenta, porém, a transgressão e não se conforma: “Quem vai e quem vem? A quem é permitido? E por quem?” pergunta ela. O conformismo diante do Não se inverte, como numa negação ao Não, a escapar da realidade citadina e mergulhar na plenitude do simples ir e vir cotidiano.
No presente, a violência nas cidades e a migração de refugiados são exemplos que contradizem a noção romântica de livre circulação. Não por acaso o trabalho está contido numa vitrine; interface entre a galeria e o observador, ajuda a construir a identidade da obra. Em Le SistèmedesObjects, Jean Boudrillard escreve: “Embalagem, janela ou muro, o vidro encontra uma transparência sem transição: vemos, mas não podemos tocar.” Símbolos que são da liberdade, nessa ocupação os Graphotácteis passam a ser intocáveis.
Ainda haveriam muitos dados a analisar sobre as obras. Mas melhor será deixar que a própria artista nos forneça as possíveis respostas. Afinal, “as obras de arte nascem sempre de quem afrontou o perigo, de quem foi até o extremo de uma experiência...” Rilke
Lia do Rio 2018