Leo Ayres
antes do amanhecer
maio de 2012
antes do amanhecer
maio de 2012
E Tudo Flui
Antes do Amanhecer, título da intervenção de Leo Ayres para o Projeto Vitrine Efêmera, é inspirado no filme homônimo, de 1994, do diretor Richard Linklater, com Ethan Hawke no papel de Jesse e Julie Delpy no papel de Céline. E é justamente uma das falas dessa personagem que mais me chama a atenção para o trabalho de Leo:
“Se há algum tipo de magia no mundo, ela deve estar na tentativa de entender e compartilhar algo com alguém. Sei que é praticamente impossível, mas e daí? A resposta deve estar na tentativa.”
Se nos lembrarmos do texto de Duchamp sobre O Ato Criador, veremos que em muito se coadunam realidade e ficção. O texto é de 1957 e já focava criação como ato não exclusivo, mas simbiótico entre o processo do artista e os valores que advêm do público. A obra é o resultado de uma intenção não integralmente estabelecida pelo artista, e daquela valoração aferida pelo público que, em última instância, é quem a insere ou não no contexto da História da Arte. E Duchamp pergunta: “Como poderá ser descrito o fenômeno que conduz o público a reagir criticamente à obra de arte?” [1]
Leo busca reminiscências antes críticas que céticas sobre os relacionamentos, precisamente entre observador e autor quando anuncia uma tentativa lúdica de dar um amanhecer refletido em sua vitrine que busca e aprisiona momentaneamente a imagem do mundo que a cerca. O mais simples e fugaz gesto se torna um jogo de representações da vida em que compartilha o seu estado de epifania em plena alvorada que sua obra alcança. A cada instante ela se modifica e se torna outra exatamente como as coisas da vida, ou como entendia Heráclito de Éfeso em que tudo flui. E tal como o mestre pré-socrático, Leo propõe que a alternância entre todas as coisas é uma alternância de contrários, deixa que então luzes coloridas se acendam ao fim do dia início da noite para dentro da vitrine.
O efeito proposto é sutil no qual o artista é alguém que busca um diálogo com o público sem pretender que os códigos de sua obra sejam absorvidos em sua plenitude por mais que busque compartilhar aquilo que apreende do mundo. Mas caberá a ele, público, estabelecer o contato entre a obra de arte e o mundo exterior, quer seja decifrando suas propriedades individuais, quer seja interpretando sua mensagem.
Parafraseando Jack Burnham, a ambição mais fundamental do artista é replicar a vida. Sem cairmos nas águas rasas se seria a arte fundamentalmente mimética, posto obviamente que não, vemos que a realização de Leo em Antes do Amanhecer é poética e também realista com argumentos práticos de explorar o entorno como fonte de sua pesquisa o que já ocorre em outros trabalhos seus em que utiliza o espelho, o reflexo como centro de desdobramentos investigativos, camuflando-se entre os olhos alheios que passam distraídos.
Antes do Amanhecer coloca o passante da vitrine em situação de se perceber não mais como estável e imutável, mas deslocado e transitório, o que há para se descobrir na obra não são seus elementos constitutivos, nem mesmo propor-lhe uma forma, uma vez que ela simplesmente se transmuta a cada instante até o limite de ser apenas luz.
Afigura-se para nós a máxima de Umberto Eco ao salientar que toda obra de arte é aberta porque não comporta apenas uma interpretação - isto visto como modelo teórico para tentar explicar a arte contemporânea de acordo com seus próprios pressupostos, entendemos que os recursos aplicados ao trabalho apresentado por Leo dirigem nossa atenção para a multiplicidade de acontecimentos possíveis como resultado da obra, deixando-a inexoravelmente em aberto. O que Eco propõe está ainda na mesma esfera de percepção de Duchamp quando salienta que “além de toda obra possibilitar várias interpretações, a obra aberta apresenta-se de várias formas e cada uma delas se submete ao julgamento público.” [2]
Aqueles que assistiram ao filme de Linklater ficaram com a interrogação deixada pelo diretor sobre o destino dos seus personagens, e o projeto de Leo está intimamente associado a esse aspecto de passar para o observador o centro das questões: é ele agora o centro em movimento da obra que flui.
Osvaldo Carvalho
2012
[1] DUCHAMP, Marcel. O Ato Criador In: BATTCOCK, Gregory. A Nova Arte. São Paulo. Editora Perspectiva: 2004
[2] ECO, Umberto. Obra aberta. São Paulo. Editora Perspectiva: 2003
Antes do Amanhecer, título da intervenção de Leo Ayres para o Projeto Vitrine Efêmera, é inspirado no filme homônimo, de 1994, do diretor Richard Linklater, com Ethan Hawke no papel de Jesse e Julie Delpy no papel de Céline. E é justamente uma das falas dessa personagem que mais me chama a atenção para o trabalho de Leo:
“Se há algum tipo de magia no mundo, ela deve estar na tentativa de entender e compartilhar algo com alguém. Sei que é praticamente impossível, mas e daí? A resposta deve estar na tentativa.”
Se nos lembrarmos do texto de Duchamp sobre O Ato Criador, veremos que em muito se coadunam realidade e ficção. O texto é de 1957 e já focava criação como ato não exclusivo, mas simbiótico entre o processo do artista e os valores que advêm do público. A obra é o resultado de uma intenção não integralmente estabelecida pelo artista, e daquela valoração aferida pelo público que, em última instância, é quem a insere ou não no contexto da História da Arte. E Duchamp pergunta: “Como poderá ser descrito o fenômeno que conduz o público a reagir criticamente à obra de arte?” [1]
Leo busca reminiscências antes críticas que céticas sobre os relacionamentos, precisamente entre observador e autor quando anuncia uma tentativa lúdica de dar um amanhecer refletido em sua vitrine que busca e aprisiona momentaneamente a imagem do mundo que a cerca. O mais simples e fugaz gesto se torna um jogo de representações da vida em que compartilha o seu estado de epifania em plena alvorada que sua obra alcança. A cada instante ela se modifica e se torna outra exatamente como as coisas da vida, ou como entendia Heráclito de Éfeso em que tudo flui. E tal como o mestre pré-socrático, Leo propõe que a alternância entre todas as coisas é uma alternância de contrários, deixa que então luzes coloridas se acendam ao fim do dia início da noite para dentro da vitrine.
O efeito proposto é sutil no qual o artista é alguém que busca um diálogo com o público sem pretender que os códigos de sua obra sejam absorvidos em sua plenitude por mais que busque compartilhar aquilo que apreende do mundo. Mas caberá a ele, público, estabelecer o contato entre a obra de arte e o mundo exterior, quer seja decifrando suas propriedades individuais, quer seja interpretando sua mensagem.
Parafraseando Jack Burnham, a ambição mais fundamental do artista é replicar a vida. Sem cairmos nas águas rasas se seria a arte fundamentalmente mimética, posto obviamente que não, vemos que a realização de Leo em Antes do Amanhecer é poética e também realista com argumentos práticos de explorar o entorno como fonte de sua pesquisa o que já ocorre em outros trabalhos seus em que utiliza o espelho, o reflexo como centro de desdobramentos investigativos, camuflando-se entre os olhos alheios que passam distraídos.
Antes do Amanhecer coloca o passante da vitrine em situação de se perceber não mais como estável e imutável, mas deslocado e transitório, o que há para se descobrir na obra não são seus elementos constitutivos, nem mesmo propor-lhe uma forma, uma vez que ela simplesmente se transmuta a cada instante até o limite de ser apenas luz.
Afigura-se para nós a máxima de Umberto Eco ao salientar que toda obra de arte é aberta porque não comporta apenas uma interpretação - isto visto como modelo teórico para tentar explicar a arte contemporânea de acordo com seus próprios pressupostos, entendemos que os recursos aplicados ao trabalho apresentado por Leo dirigem nossa atenção para a multiplicidade de acontecimentos possíveis como resultado da obra, deixando-a inexoravelmente em aberto. O que Eco propõe está ainda na mesma esfera de percepção de Duchamp quando salienta que “além de toda obra possibilitar várias interpretações, a obra aberta apresenta-se de várias formas e cada uma delas se submete ao julgamento público.” [2]
Aqueles que assistiram ao filme de Linklater ficaram com a interrogação deixada pelo diretor sobre o destino dos seus personagens, e o projeto de Leo está intimamente associado a esse aspecto de passar para o observador o centro das questões: é ele agora o centro em movimento da obra que flui.
Osvaldo Carvalho
2012
[1] DUCHAMP, Marcel. O Ato Criador In: BATTCOCK, Gregory. A Nova Arte. São Paulo. Editora Perspectiva: 2004
[2] ECO, Umberto. Obra aberta. São Paulo. Editora Perspectiva: 2003