MAGLIANI - é infinito agora
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Magliani – é infinito agora
“Então delete, tudo aquilo que não valeu a pena. Quem mentiu, quem enganou seu coração, quem teve inveja, quem tentou destruir você, quem usou máscaras, quem te magoou, quem te usou e nunca chegou a saber quem realmente você é...” Caio Fernando Abreu Depois de magnífica exibição de parte significativa de sua produção na Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, o Estudio Dezenove promove nova exposição com um pequeno recorte, mais intimista, dentre as obras que compõem o projeto Núcleo Magliani gerido por Julio Castro, que é também o coordenador do espaço que foi abrigo para a artista por muitos anos até falecer em 2012. Este ano, ao completar 10 anos desde que nos deixou, ver seu trabalho festejado é realmente gratificante. Maria Lídia, a Magliani, teve uma vida artística rica em contraste com uma vida financeira de privações. Nunca se queixou nem nunca deixou de criar. Sua força para continuar mesmo ao sabor de tais reveses econômicos estava ancorada em íntegra personalidade obstinada que têm aqueles escaldados com as agruras de uma existência permeada por enfrentamentos: artista, mulher, negra, pobre. Não há outra via senão a da resistência. Foram quase 50 anos de plena dedicação às artes desde suas ilustrações para jornal até suas pinturas passando pelo desenho, figurinos, cenários, teatro, além da preciosa correspondência que manteve com o amigo e escritor Caio Fernando Abreu que, em 1991, do inverno londrino, escreve para a artista e conclui que entre ambos há uma ligação mental, espiritual, psicológica sempre muito forte. Verdadeiramente ela pareceu escutar e seguir o recado-frase do amigo como um conselho para o bem viver: “delete o que te faz mal”. Talvez por isso em sua iconografia recorra exclusivamente ao corpo e algumas de suas extensões: um bule, uma cadeira, uma bolsa, ou uma tesoura, livrando-se de maiores distrações para o olhar. Os retratos incógnitos ou apenas a sua própria figura nos falam de um universo singular que é a obra da artista. No dizer de Simone de Beauvoir, a presença do artista se manifesta pela sua marca pessoal, algo que foi interiorizado. Magliani traz essa marca robusta no que legou ao mundo, “uma sucessão infatigável de recomeços.” Para além dos componentes básicos de uma obra de arte, a artista criou pungentes camadas psíquicas que não se permitem investigar por vieses descritivos de tema, forma e conteúdo somente, requerem um estar em companhia, um passeio de mãos dadas, de outra maneira seremos tragados para o abismo da indiferença. Em seu pequeno autorretrato, presente nesta mostra, temos um indício desse possível evento quando sua imagem crava o olhar no espectador. Em silêncio questiona, mas não parece interessada em respostas (como lhe seria característico). Toda composição parece vibrar, estremecer as retinas, e um sorriso (de Monalisa?) parece adivinhar o desconforto naquele que a encare impossibilitando que apenas passe por ela. Vai buscar no íntimo de cada um a mais sutil verdade: nunca saberão quem realmente eu sou. Osvaldo Carvalho |