Objetos Visuais Não Identificados “Um animal em perfeita harmonia com seu meio torna-se uma perfeita máquina.” H. G. Wells O que a arte exige de nós? Que mecanismos possuímos para compreendê-la? Como responder aos empenhos que nos propõe? Essas questões estão hoje no cerne da arte contemporânea que não mais constrói o presente como continuidade de um passado, muito menos como expectativa para um futuro. Tal e qual a deusa Hécate, ela tem o poder de olhar para essas três direções ao mesmo tempo: ver algo no passado que possa ressignificar no presente e no futuro uma máquina de esquecer (talvez sua única expectativa possível). Cabe aos artistas, as ovelhas negras da deusa, engendrar conceitos, transbordar visualidades, dissolver fronteiras, abranger o mundo. Mas ver para crer é pessoal. Objetos Visuais Não Identificados ou OVNIs é a exposição que realizam Marco Cavalcanti e Pedro Paulo Domingues na galeria do Estudio Dezenove. Artistas com longa pesquisa em artes visuais, ambos levam suas máquinas de fazer imaginar ao extremo do devaneio. Em diferentes suportes propõem ao espectador movimentos que ora são positivos, ora negativos, mas em todo caso relativos quanto a sua permanência, uma espécie de Yin Yang prático aplicado ao cartesianismo ocidental numa tentativa de rompê-lo em busca de uma força motriz que há por trás de tudo o que existe. H. G. Wells nos fala que não há inteligência onde não há mudanças nem necessidade de mudanças (A Máquina do Tempo). Esses dois artistas, cada um à sua maneira, nos instigam a pensar e repensar o que estamos (vi)vendo, se um confronto ou uma simbiose de ideias, nos tiram o conforto apreciativo, nos põem contra a parede, literalmente. Seria essa uma das exigências da arte hoje? Cavalcanti trabalha a fotografia não pelo teatro à frente da lente, não lhe interessa isso, não lhe interessa a mimese da vida, mas a engrenagem íntima da câmera, acidentes estéticos, em suas palavras “busco anular a ação do superego e seus julgamentos, procuro a composição do inconsciente”. Esse gesto encontra eco na História da Arte, seja pela perda da referência inicial (Matisse), seja pela transformação no processo de elaboração (Bacon). Traz vigor ao ato fotográfico e acena com possibilidades de novos diálogos com a pretendida posteridade da imagem congelada no tempo. Enquanto isso Domingues se debruça sobre a expansão e a retração do universo pautado na teoria do Big Bang e da Inflação Cósmica. Seu OVNI reproduz uma percepção de eterno retorno que lhe confere um caráter Nietzchiniano na proposta de inflar o espaço da galeria como se fora um deus a criar um universo e depois meramente fazê-lo desaparecer. Há aí a percepção da obra de arte que nasce como um mundo que se organiza (Iberê), sem ignorar que a mesma obra de arte se transformará rapidamente em poeira ou lixo (Kaprow). Os mecanismos que esses artistas desenvolveram para lidar com a arte respondem às suas inquietudes pessoais, foi preciso fazer (ver) para processar (crer) as demandas que dela advêm. Arte é um processo mental que só se completa fazendo. Osvaldo Carvalho |