Entre isso e aquilo. Lá e cá. No vão. Lugar do escape. Ainda nem começou e já acabou. Algo que veio do reino da mudança para ficar. Mimeticamente para poder sobreviver. Ou melhor, para se colocar em movimento. No caso dessa exposição, passagem é a mudança não só de território, mas de nome, de ponto de vista, de modos de operar o real, de vida. Uma inconstância perene. Um equilíbrio instável. Um improviso que faz eco no experimentar de materiais, situações, questionamentos. Que assume a mudança sob o mais intenso dos temporais. Desenhar esse trajeto é dar sentido e direção a uma escritura que se faz em ação. A imagem do pai morrendo – uma apropriação do título e tema de desenhos do artista modernista Flávio de Carvalho – serve como ponto de partida para a história das impermanências que essa passagem aponta. Apesar de ser uma foto, ela é trabalhada em uma animação que ora retira a figura, ora o fundo do quadro, oferecendo ao espectador a possibilidade de um fim que sempre se repete. Outros trabalhos seguem assim. Uma mesa em que os objetos flutuam; travesseiros que se posicionam na vertical, emitindo ruídos; imagens do fim de tarde dos fundos da cidade de Goiânia, que dizem da solidão, do vazio e do silêncio. Todas elas parecem duvidar de nossas certezas, obrigando-nos a enfrentar paradoxos visuais. E a completar seu sentido em nossa cabeça, como espectadores/participantes do processo de criação da obra. O que se expõe, nessa exposição no Estúdio DEZENOVE, são ideias, pensamentos, rabiscos e projetos que há muitos anos esperam no silêncio do arquivo sua oportunidade de virem à luz, de se materializarem como coisa-obra. Assim, a experiência cede espaço para o caráter experimental de um verdadeiro “work in progress”. Práticas da passagem diz respeito, também, a vários interesses que giram em torno de conceitos como falta e preenchimento e ao perturbador silêncio do ruído. Questões que ampliam o debate do movimento em ação, uma vez que problematizam a realidade distópica que ora estamos submersos, como os fundamentalismos que ameaçam, de fato, nossas vidas... Busca-se, por tal uso da linguagem, o efeito do difícil, isto é, o de segurar a impermanência das coisas de modo a obter, do ponto único do equilíbrio, o seu momento de visibilidade. Se tudo tende ao fim, ao caos, à entropia, o jogo da arte deve ser o de refazer e recolocar esses mesmos termos, de modo diferente, a cada vez. Entre o que é aparente e o que a obviedade dessa aparência esconde. E é nesse deslocamento de forças que se apresenta os dois lados – o visível e o enunciável, dirá Deleuze sobre Foucault – do mesmo problema, ou seja, a passagem do que é percebido com o que é dito. No caso dessa exposição, evidencia-se, assim, a falta preenchendo o vazio, tornando-o mais pleno de espaço do que se tivesse sido ocupado. É, pois, uma ausência sempre presente, que nos obriga ao recurso da memória, do (re)lembrar, da experiência, inclusive para afirmar, uma vez mais, o frescor do experimentar. Rubens da Silva Professor Doutor na Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás. Artista plástico. Desenvolve pesquisas no campo da intervenção urbana, da instalação sonora e na produção de objetos escultóricos. Sua temática está voltada para à instabilidade na relação dos materiais com a gravidade e à ideia do silêncio como parte da ação artística. |