RETRATOS DE NINGUÉM
Julio Castro > Galeria ATO ABSTRATO Rua da Pedreira 72 Lisboa - Portugal Abertura: sábado 8 de outubro 17h Período: 11 a 28/10/2022 terça a sexta das 18:30 às 21h T. +351 963324668 |
Mais no menos (ou retratos no abismo)
Adolfo Montejo Navas
Agora que somos quase ninguém, como diria a história pandêmica, talvez sejamos mais, mais no menos, e sejamos também mais outros. Re-equacionando tudo (distância, ausência, incorporação, encarnação), como um contraponto espiritual necessário, os novos trabalhos de Julio Castro se inscrevem nesse difícil diapasão que mede as distâncias de nossa subjetividade, ou então se circunscreve naquela famosa dobra deleuziana que fala tanto do sujeito quanto do outro ser interligado, chamado de social, próximo. Retratos de ninguém (2021) se aventura, como série cheia de variações e metamorfoses, na força descoberta do anonimato, do coletivo, essa matriz pública, neutra, magma identitário (e que, em outra dimensão, Por um fio (1977-2004) de Ana Vitória Mussi, vai a procurar também, quase como ressurreição imagética pela volta à origem, a um nascedouro visual). As imagens dos rostos em negativo, nesse obscuro que sempre promete a gravura – como sabia tanto Goeldi –, têm essa potência primigênia, pré-logos, de um antes, daí que o próprio jogo facial das máscaras não evite certo abismo ontológico, o que revela uma sintaxe artística antenada com nossa humanidade em crise, em perigo pela perversão da história e seus acidentes. Sintonia que explica as deformações pós-expressionistas ou a colagem pop (warholiana) resultante de um mundo contraditório. Uma configuração estética que estabelece assim vasos comunicantes numa mesma face, um certo mapa identitário nada genérico ou protocolar. E sim informal, fractal, rarefeito (tão inquietante ou grotesco quanto familiar ou humorístico). E que leva caminho já de ser um emblema temporal, epocal, porque traduz uma ferida viva, sem cicatrizar de nossa condição (tanto desdobramento quanto ocultamento), da necessidade de nos encontrar. Esse jogo de linguagem no qual estamos há séculos. Já o fato de que a técnica seja tão híbrida (gravura em metal, água tinta, água forte, monotipia e tinta spray), misturando assim valências de culturas opostas, coloca ainda mais os rostos oferecidos em tensão como ícones tão pré-históricos, ou sem tempo, quanto próximos, contemporâneos. Obra plural por definição, habitada de gente, que parece emergir de um fundo matricial, genésico (acontecia com a figuração transcendental e física de Francis Bacon) e que se religa com outra anterior do artista, fazendo um díptico impensável e totalmente coerente, quase lógico, consequência. E novamente histórico. Porque aqueles retratos-mutantes do pai do artista habitado com ele próprio (Passagem, 2017), faziam vibrar algo mais que a genealogia sanguínea, hereditária ou um conhecido território, acotado ou narcisista, eles já estavam no caminho de uma pesquisa maior, que envolvia umas coordenadas e reverberações mais generosas, as que Retratos de ninguém elaboram em um mergulho retratístico misterioso, desvelando tanto quanto ocultando a razão de um ser coletivo cujo devir está em processo, como comunidade que vem (que diria Agamben), que vive de ajustar um litígio maior que a sua representação. Ou uma heteronímia a considerar.
Adolfo Montejo Navas
Agora que somos quase ninguém, como diria a história pandêmica, talvez sejamos mais, mais no menos, e sejamos também mais outros. Re-equacionando tudo (distância, ausência, incorporação, encarnação), como um contraponto espiritual necessário, os novos trabalhos de Julio Castro se inscrevem nesse difícil diapasão que mede as distâncias de nossa subjetividade, ou então se circunscreve naquela famosa dobra deleuziana que fala tanto do sujeito quanto do outro ser interligado, chamado de social, próximo. Retratos de ninguém (2021) se aventura, como série cheia de variações e metamorfoses, na força descoberta do anonimato, do coletivo, essa matriz pública, neutra, magma identitário (e que, em outra dimensão, Por um fio (1977-2004) de Ana Vitória Mussi, vai a procurar também, quase como ressurreição imagética pela volta à origem, a um nascedouro visual). As imagens dos rostos em negativo, nesse obscuro que sempre promete a gravura – como sabia tanto Goeldi –, têm essa potência primigênia, pré-logos, de um antes, daí que o próprio jogo facial das máscaras não evite certo abismo ontológico, o que revela uma sintaxe artística antenada com nossa humanidade em crise, em perigo pela perversão da história e seus acidentes. Sintonia que explica as deformações pós-expressionistas ou a colagem pop (warholiana) resultante de um mundo contraditório. Uma configuração estética que estabelece assim vasos comunicantes numa mesma face, um certo mapa identitário nada genérico ou protocolar. E sim informal, fractal, rarefeito (tão inquietante ou grotesco quanto familiar ou humorístico). E que leva caminho já de ser um emblema temporal, epocal, porque traduz uma ferida viva, sem cicatrizar de nossa condição (tanto desdobramento quanto ocultamento), da necessidade de nos encontrar. Esse jogo de linguagem no qual estamos há séculos. Já o fato de que a técnica seja tão híbrida (gravura em metal, água tinta, água forte, monotipia e tinta spray), misturando assim valências de culturas opostas, coloca ainda mais os rostos oferecidos em tensão como ícones tão pré-históricos, ou sem tempo, quanto próximos, contemporâneos. Obra plural por definição, habitada de gente, que parece emergir de um fundo matricial, genésico (acontecia com a figuração transcendental e física de Francis Bacon) e que se religa com outra anterior do artista, fazendo um díptico impensável e totalmente coerente, quase lógico, consequência. E novamente histórico. Porque aqueles retratos-mutantes do pai do artista habitado com ele próprio (Passagem, 2017), faziam vibrar algo mais que a genealogia sanguínea, hereditária ou um conhecido território, acotado ou narcisista, eles já estavam no caminho de uma pesquisa maior, que envolvia umas coordenadas e reverberações mais generosas, as que Retratos de ninguém elaboram em um mergulho retratístico misterioso, desvelando tanto quanto ocultando a razão de um ser coletivo cujo devir está em processo, como comunidade que vem (que diria Agamben), que vive de ajustar um litígio maior que a sua representação. Ou uma heteronímia a considerar.
Julio Castro possui formação em gravura pela UFRJ com passagem pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage e Instituto de Artes da UFRGS em Porto Alegre. Participou das mostras A Paixão do Olhar - MAM/RJ; Republicar- Museu da República-RJ (1993); da XV ESTAMPA - MADRID (2007); Plaisir d’Offrir#2 - Galeria Dagmar De Pooter / Antuérpia, Bélgica (2009); Rio X Córdoba - Museu Emílio Caraffa, Argentina (2011), entre outras. Individualmente expôs no Rio de Janeiro, Pelotas, Porto Alegre, em Lisboa no Centro Português de Serigrafia (2007), em Bruxelas no ARS117 (2009), espaços em que fez residência artística como artista convidado. Em 2017 fez residência com o Coletivo La Piztola em Oaxaca, México e em 2019 no Otawara Cultural Center, Japão.
É professor na área de Imagem Gráfica na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Coordena no Rio de Janeiro o Estudio Dezenove, espaço dedicado à arte contemporânea.
Obras em coleções públicas: Pinacoteca de São Paulo, MARGS, MAC-PR, MAC-RS, CPS- Lisboa, Museu de Arte de Brasília.
É professor na área de Imagem Gráfica na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Coordena no Rio de Janeiro o Estudio Dezenove, espaço dedicado à arte contemporânea.
Obras em coleções públicas: Pinacoteca de São Paulo, MARGS, MAC-PR, MAC-RS, CPS- Lisboa, Museu de Arte de Brasília.
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