TRANSPOEMAS
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Esse abismo virado do avesso (Os transpoemas de Ronald Polito) “Por que escapamos do nível convencional de semiose?” Franco ‘Bifo’ Berardi Quando a escrita se vira para si mesma, mostra as suas nervuras, suas cesuras. Uma reflexão fenomenológica. É a própria materialidade se interrogando, seja em papel, em computador, com grafite ou em qualquer outro material (sarrafos, palitos de dente, casca de ovo, pedra, asa...). Trata-se de outra escritura, outra experiência semiótica, semântica, longe da unilateralidade na interpretação das coisas, sobretudo, quando a poesia ignora os campos delimitados, salta, duvida de suas dimensões tradicionais. Representa uma saída em campo aberto, à procura de significantes (livres como cintilações). À procura da “extremidade do sentido”. Da linguagem como despoder. Entrementes, o mesmo Roland Barthes, soube discernir muito bem entre escritura (eros) e escrevência (instrumental). A necessidade do fulgor, da trapaça com a língua, o texto. Aliás, como Wlademir Dias Pino, considerando, analogamente, a própria língua uma prisão, uma classificação opressiva (até fascista), e, portanto, a necessidade de apostar entre escritura e inscrição pela segunda via. Ambos, divisam a ideologia castradora, ambos, são, representam dois contextos a considerar pelo seu alimento modulador, enunciativo: língua fora do poder. Enquanto isso, em sintonia, Ronald Polito traz aqui um pequeno iceberg de sua produção visual, sempre mais escondida que a textual (poesia, prosa, crítica, tradução, edição), que já se estende a suportes e materiais diversos (insuspeitados, lembrando seus guaches/aquarelas), no caso, recortado pela afinidade eletiva estabelecida entre signos, mini esculturas, linguagem em suspensão, o verbo metabolizando-se em outra coisa e ser. Desde o mergulho minimalista sobre/em/dentro de palavras, até a sua animação digital. Desde as esculturas com grafite (matriz da escritura, da caligrafia e do desenho) até a reinvenção objetual das canetas (não sem humor elegante e paródico). Desde os desenhos pandêmicos (tramas fechadas) até os desenhos mandalas (tramas abertas). Desde os poemas-objeto que se escrevem a si mesmos até umas esculturas-móbiles, intérpretes todos do peso da leveza. De fato, os territórios sempre são mais caminhos que espaços, veredas de um grande sertão. Uma terceira margem, seguindo Guimarães Rosa, construída imageticamente. Micromundos, estados de linguagem, liberação dos signos. Miragens em lugar de estereótipos. Porque, quando a poesia visual não foi metalinguagem? Esse abismo virado do avesso? Adolfo Montejo Navas [setembro/2023] |