Raimundo Rodriguez
secos & molhados
novembro de 2018
secos & molhados
novembro de 2018
“Secos e Molhados” é o nome do trabalho apresentado por Raimundo Rodriguez para a Vitrine Efêmera. Com medidas de 200 x 200 x 50 cm, e o uso de materiais como madeira reaproveitada, ferro, plástico e simulacros de alimentos derivados de animais, o artista cria uma estranha estrutura, reflexo das angústias contemporâneas produzidas pela ação do homem no meio ambiente.
Predadores e presas são postos lado a lado e o combate supremo pela sobrevivência é simbolizado. Mas o homem que é lobo do homem está ausente de seu próprio armazém. Nesta instalação construída por Raimundo Rodriguez nada é natural, tudo é simulacro e artifício. As engrenagens estão emperradas como testemunhas débeis da ação do tempo. A madeira de refugo é também a estrutura frágil de um armazém há muito abandonado. A carne animal abatida está pendurada, assim como seus derivados processados e nada se move. Nada mais se moverá.
Posta em vitrine a instalação funciona como um quadro com características tridimensionais ou como uma espécie de “Grande vidro” dos trópicos. As rodas de bicicleta, recorrentes na obra de Rodriguez revelam uma genealogia historicista que compreende um conceitualismo duchampiano associado a uma estética do delírio encontrada nas obras de Arthur Bispo do Rosário. A leitura de tal mitopoética torna-se única recusando veementemente os desígnios da precariedade e da provisoriedade. Nela, a razão e a emoção coexistem de forma a equilibrar a concepção aparentemente rústica dos “objetos do mundo”. Neste sentido, a obra de Rodriguez trata, sobretudo, de abundâncias e de riquezas interiores com um fervor e dedicação quase quixotescos. Consiste num trabalho diário de coleta de materiais que serão um dia reutilizados e apropriados para dar corpo às mais variadas obras, sejam instalações, objetos, colagens, entre outras. Faz-se a arte do devir.
Arte e vida se apresentam como catalisadores primeiros do ato criativo. O artista promove uma espécie de conversão espontânea de poéticas, unicamente conscientes de seu valor e poder, mesmo que formuladas a partir de um emaranhado de estruturas psicológicas e de um impulso colecionista, acumulador. Os objetos do mundo mantêm os resíduos de muitas vidas. Um imaginário se constitui a partir de cores predominantemente avermelhadas que saltam em boa parte de suas obras, e que de certa forma, estão ligadas ao tom empoeirado da terra seca e rachada do semi-árido de Santa Quitéria, emoldurando as formas rígidas e rústicas que apontam para uma exuberância e riqueza plástica, quase neobarroca, apesar de seu tom bruto inicial. Bruta também é a estrutura formal adotada pelo artista que parece reproduzir em determinados momentos, por meio do uso contínuo do betume – material fundamental que simula o envelhecimento da madeira e do papelão, contraditoriamente protegendo-os, a contorção fitomórfica dos juazeiros, catingueiras e arueiras. Entre a aspereza dos espinhos e a aridez da terra fina o artista entoa, vez por outra, uma crítica social que não foge à realidade concreta, e assume o paradoxo pós-moderno do glocal. Este paradoxo se alinha com algumas posições pós-coloniais/decoloniais, que visam denunciar impacto da globalização nas práticas culturais estabelecidas em locais de especificidades. Apesar da pulsão arqueológica de Rodriguez, sua obra não trata da temática da reciclagem artesanal, mas sim de um conjunto de reapropriações e ressignificações ligadas a uma identidade territorial, que por vezes, reivindica a valorização de uma produção local, partindo do uso de objetos que são encontrados ao acaso, mas, que conservam em seu interior uma memória afetiva singular capaz de atingir uma categoria universal.
Assim, a vitrine montada por Rodriguez se torna ainda mais efêmera, um site specific que produz e intensifica sentidos transplantados.